segunda-feira, fevereiro 16

A propósito das assim chamadas modernizes...

Li este texto da Raquel Abcasis da RR que achei muito bem escrito e melhor na expressão do caminho que levamos na sociedade em Portugal... e no mundo! Mas... se calhar até nem temos razão os que dizemos que as coisas não vão bem...

Alargar a porta
Há muito que se sabia que vinha aí a agenda dita fracturante. Quando surgiram os primeiros avisos e os primeiros sinais, aos que lançaram os primeiros gritos de alerta, chamaram-lhes conspirativos e maquiavélicos.
A verdade é que essa agenda aí está e ela é sobretudo desestruturante da sociedade:
- sob a capa da solidariedade e dos direitos, as novas leis desprotegem os mais fracos da sociedade;
- em nome da consciência e da dignidade humana, ataca-se a vida nos seus momentos mais frágeis;
- em nome do progresso e da modernidade, promove-se o relativismo para que nada nos pese na consciência.
Estamos a percorrer o caminho que leva a uma sociedade sem compromissos e sem certezas. Dizem-nos que é o protótipo da sociedade moderna, mas, verdadeiramente, é o modelo de uma sociedade sem rei nem roque, inteiramente na mão do poder político.
Ainda vamos a tempo de poder pensar pela própria cabeça, mas a porta é cada vez mais estreita e é responsabilidade pessoal de cada um contribuir para alargar a porta. Senão, daqui a pouco tempo, até o camelo passa mais facilmente pelo buraco da agulha.

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sábado, fevereiro 14

Fome no Quénia 1

Agnes Ekelan - "Só posso comer se vender a lenha!"

Agnes Ekelan, uma mulher turkana, é apenas uma das pessoas que enfrenta a crise alimentar no Quénia. Estimativas dizem que são cerca de 10 milhões em todo o país. A razão desta crise alimentar é uma combinação de factores: uma falha total nas colheitas devido à falta de chuvas e seca, preços elevados dos alimentos e o efeito dos confrontos pós-eleitorais no início de 2008 que não permitiram o cultivo dos campos, cortando para menos de metade a produção de milho, alimento base no país.

No dia 16 de Janeiro, o presidente declarou esta crise alimentar um desastre nacional e apelou os países desenvolvidos para a necessidade de 300 milhões de euros para enfrentar as necessidades alimentares dos 10 milhões de pessoas em risco. Normalmente o Programa Alimentar Mundial alimenta 1.4 milhões de pessoas e o governo queniano outro milhão. Mas esta crise alimentar afecta muitíssimas mais pessoas.

Pobre, viúva e faminta
São estas três palavras que definem a vida de Agnes Ekelan, uma mulher turkana que vive numa aldeia perto de Lodwar, a capital árida do distrito Turkana, noroeste do Quénia. À medida que o país enfrenta a crise alimentar, Elekan e centenas de milhares de pessoas noutras regiões afectadas pela seca agonizam diariamente não sabendo onde e quando encontrar a próxima refeição.
Elekan não sabe a sua idade, mas aparenta estar perto dos 50 anos de idade. Este testemunho foi concedido à IRIN no passado dia 7 de Fevereiro.

"Tenho 6 filhos; o meu marido morreu há vários anos de modo que tenho sido só eu a alimentar as ciranças. Porém, no último ano, tem-se tornado cada vez mais difícil alimentá-los pelo simples motivo de que não há comida.!

"Caminhei os 7Km desde a nossa aldeia de Naotin até Lodwar carregando um molho de lenha e algumas vasouras (pequenas escovas feitas de material local) para vender. Desde que cheguei aqui ontem, não comi nada porque não consegui vender a lenha; deixei as crianças em casa sem comida; tenho que conseguir vender a lenha hoje ou não como e não terei nada para levar para casa."

"Agora vou até ao pequeno mercado onde alguns vendedores vendem peixe esperando apenas que uma alma caridosa me dê a parte das espinhas..."

"No passado, era mais fácil conseguir encontrar comida porque os vendedores de outras partes do país traziam vegetais, fruta e cereais, tal como milho e feijões para vender aqui em Lodwar; mas desde a violência (pós-eleitoral) no ano passado, estes produtos começaram a ser poucos, imagino que por causa dos vendedores deixarem de vir aqui. Se se conseguem encontrar são muito caros e o pouco dinheiro que consigo ao vender a lenha não é sequer suficiente para um pouco de farinha."

"Eu continuo a perguntar-me: se não conseguir vender a lenha, onde vou conseguir comida? Não tenho sequer forças para regressar a casa. O governo ou alguma pessoa rica tem que vir ajudar-nos! Estamos a morrer aqui em Lodwar!"

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Fome no Quénia 2

Alice Wanjiru -
"Agora não temos carne e menos ugali*"
Há cerca de um mês, o presidente do Quénia, declarou como desastre nacional, a crise alimentar que o país está a enfrentar. Poucas chuvas, a violência pós-eleitoral do ano passado que não permitiu o cultivo dos campos, a corrupção política e ainda o preço elevado dos alimentos a nível mundial, são algumas das razões que levaram o país a esta situação. Foi pedida a ajuda internacional de países mais desenvolvidos para enfrentar esta situação.

O Programa Alimentar das Nações Unidas alimenta já 1.2 milhões de quenianos, especialmente em zonas mais áridas e dificeis. Esta crise está a aumentar o número de pessoas a passar fome no país para umas centenas de milhar acima dos acima mencionados. Estes novos "sedentos" encontram-se nas periferias pobres das cidades do país bem como nas áreas áridas do país.
Eis de seguida o testemunho de Alice Wanjiru, 44 anos, residente num dos maiores bairros de lata de Nairobi e em toda a África, Kibera. Ela sobrevive vendendo vegetais nas vielas do bairro.
"O preço da maioria dos produtos alimentares quase duplicou desde o ano passado; o meu marido, os meus três filhos e eu tivemos que fazer algumas mudanças no que comemos e nas quantidades de comida. Em vez de usarmos o pacote inteiro de 2Kg de unga (farinha de milho), agora usamos metade ou 3/4 para fazer ugali*. E agora nunca comemos carne."
"Até agora eu ainda não vi a unga subsidiada (pacote de 5Kg de farinha de milho ser vendida a cerca de 1,30€) que o governo dizia disponibilizar para os pobres; o facto é que as coisas têm piorado."

"O único meio de conseguir ganhar algum dinheiro é vender estes tomates e o meu marido é um jua kali (trabalha em todo o tipo de trabalhos numa base ocasional). Temos ainda 3 filhos que temos que alimentar e levar à escola. Até as escolas aumentaram as propinas este ano."

"Com o preço elevado dos alimentos, é muito dificil recuperar da perda das nossas coisas durante a violência (Janeiro a Março 2008) pós eleitoral; eu tinha 5 casas (barracas do bairro de lata); 4 tinha-as arrendadas e 1 delas costumava vender lá vegetais e cereais."

"Durante a violência, estas barracas foram primeiro roubadas e depois incendiadas; agora só vendo vegetais. Eu tenho mesmo um documento oficial a dizer que essas barracas eram minhas, mas eentretanto essas barracas foram reconstruídas e outras pessoas estão lá a fazer os seus negócios; o documento parece que não vale mesmo nada!"

"Agora estou preocupada em saber como vou poder conseguir o dinheiro para manter as crianças na escola. Peço ao governo para nos ajudar, especialmente aqueles que perdemos as nossas posses durante a violência pós-eleitoral; precisamos de ser compensados de forma a podermos voltar à posição (económica) que tinhamos antes da violência."

* farinha cozida - base alimentar do povo no Quénia.

Fonte: IRIN Africa News

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sábado, fevereiro 7

Língua que também é usos e costumes!


Não basta falarmos a língua local para entendermos as pessoas e nos fazermos entender! Esta é uma “lição de vida” que todos @s missionári@s acabam por aprender mais cedo ou mais tarde. Até porque é uma realidade na vida de todos os povos… Essa é a razão pela qual, aqui na escola da língua swahili, aprendemos também os usos e costumes locais. A língua, ainda que bem falada com todas as regras gramaticais, não chega se depois é usada de forma errada e fora de lugar.

“Nunca entregues nada a alguém com a mão esquerda! Nem muito menos saúdes alguém com essa mão!” “Já fiz asneira!”- ouve-se na sala de aula da boca de um dos meus colegas. É esquerdino. Uns dias antes tinha visitado uma família local… tinha estranhado que as pessoas tivessem uma atitude rara ao demorar tempo a aceitar umas peças de fruta que ele levava como presente. Agora entendia porquê: sendo esquerdino entregou a fruta com a mão esquerda…
O Frank é um dos meus 19 colegas estudantes da língua aqui na «shule wa lugha ya Makoko» (escola da língua de Makoko – nome da localidade onde se encontra a escola). Padres, irmãs e leigos missionários, bem como duas leigas missionárias protestantes. As nacionalidades são quase tantas quantos os estudantes: EUA, Haiti, Trinidade e Tobago, Madasgascar, Gana, Nigeria, Bélgica, Irlanda, Filipinas, Itália, Alemanha, Polónia, Suiça, Roménia e, claro… Portugal que na língua swahili se diz “Ureno”. Numa próxima oportuniddade dir-vos-ei porquê. Todos pertencemos a diferentes congregações religiosas, como as chamo eu, “sindicatos religiosos”. Somente nós Combonianos e o Romeno (sindicato - Fidei Donum), trabalhamos no Quénia. Todos os outros, religios@s e leig@s missionári@s, trabalham aqui na Tanzania.
Numa variedade tão grande de culturas e tradições, é natural que os usos e costumes locais sejam mais estranhos para uns do que outros. Porém, é bonito ver como há Alguém, há uma Razão, há uma Missão e Vocação que nos une a todos. O Amor de Jesus é o motor da entrega das nossas vidas. Independentemente da raça, da cor, da cultura, dos costumes e das crenças religiosas, há Algo que nos une. E isso ninguém, nem mesmo os, assim ditos, ateus (como dizem alguns, graças a Deus!) podem negar.
Temos aulas de orientação cultural aqui na escola uma vez por semana. São vários os assuntos que vamos abordando cada semana. Nestas aulas pretende-se que entendamos os usos e costumes que as pessoas têm no seu dia a dia, de modo a que possamos estar o mais possível em sintonia e perto da realidade que nos circunda.
A semana passada falamos sobre os costumes locais da Tanzania. Em todo o país há mais de 120 tribos diferentes. Só aqui na diocese de Musoma são 12. Cada uma com os seus costumes e tradições. Já vos falei acima sobre o uso das mãos. Ao chegar a qualquer casa de uma família nativa, é normal que logo tenhas que aceitar algo para comer ou para beber. E é considerado uma ofensa grave não aceitar. Nem pensar em faltar a uma visita a uma família sem avisar! É que já teremos à espera comida preparada em abundância. Sobretudo sendo a visita @ missionári@. Será uma desfeita muito grande não aparecer, e sobretudo deixar a família e a refeição “pendurados”… O primeiro sinal que nos dá o alerta de que é hora de nos sentarmos para a refeição é a frase “Karibu chakula”, isto é, benvindo para a refeição. Claro que tudo isto é antecedido por uma longa saudação e ambientação sobre como vai a vida da família e d@ missionári@. Logo de seguida chega a bacia com uma jarra de água. Há que lavar bem as mãos, pois aqui não há garfo, nem faca nem colher. Temos uma colher natural que é a mão direita, como nos dizem. E atenção… apesar de se comer com a mão direita somente, há que lavar bem ambas as mãos.
É normal a mulher e as crianças raparigas não comer junto com o marido e os filhos. Apenas o marido, os filhos rapazes e os convidados comem na sala principal. A esposa e as filhas, além de comerem na parte da casa a que chamam cozinha, comem também no chão, encostadas a uma parede da casa. Mas porquê, perguntamos? É a tradição… Claro que nas famílias das zonas mais citadinas estes costumes estão a alterar-se… dirão uns graças a Deus e outros… que pena!
É também impensável que um homem cozinhe para a sua família. O trabalho da cozinha é para a mulher. E eu perguntei: mas então os cozinheiros homens aqui da escola não o poderiam fazer?!? “É o seu trabalho!”- foi-me dito. Mas em casa não o podem fazer…
O tema divergiu depois para os direitos da mulher no país. Obviamente que muitas das nossas irmãs missionárias aqui no curso pouco faltou para ficarem escandalizadas. Uma mulher deve saudar o homem e sobretudo se é mais velho, abaixando-se, saudando “Shikamo!” e nunca olhar directamente ao homem com quem está a falar. O mesmo se diga de um jovem para um ancião. Claro está que os mais jovens vão mudando as tradições… como em muitos outros lugares no mundo! Juventude irreverente. Porém, o respeito é algo que aqui é ainda muito apreciado… ainda bem!
Um outro costume é o de regatear os preços. Ainda hoje mesmo, no mercado, o meu colega P. Kizito, tentava comprar uma tomada eléctrica. Começaram-lhe por pedir 25 mil xelins, cerca de 14,50€. Uma tomada simples que não valeria esse preço. Depois de regatear o preço acabou por ficar nos 10 mil xelins, nada mais nada menos que quase 6 euros! Mas é assim por aqui nestas paragens! E como já diz o velhinho ditado romano: “Na terra onde fores ter, faz como vires fazer!”Até breve e… cuidado com o trocar de mãos… se por acaso vieres a visitar estas paragens. Kwa herini! Mungu akubariki (Adeus! Que o Senhor vos abençoe!)

Rua principal da cidade de Musoma - Tanzania

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