sexta-feira, dezembro 1

Notícias de Darfur - P. Feliz

O Padre Feliz, meu colega comboniano, acabou de chegar a nossa missão de Nyala, no Sul do Sudão. Está na região de DARFUR. Escreve-nos aqui sobre o que de facto acontece por lá... muito do que nos escreve não passa nos meios de comunicação social.

Nyala, 31 de Outubro de 2006
Queridos amigos:

Espero que tudo bem por aí. Eu muito bem, graças a Deus.
Depois de ter esperado um mês e dez dias em Cartum até obter o visto de residência no Sudão, pude, finalmente viajar para a “terra prometida”: Nyala, missão no Sul de Darfur. Em Cartum pude mandar alguns e-mails, pois há facilidade de Internet e servidores, se bem que sem banda larga. Aqui em Nyala é raro haver possibilidade de Internet/e-mail. Adivinhareis porquê: é que se combate forte e feio aqui nos arredores, e as autoridades não querem testemunhas que mandem noticias para fora do país. Mas o mundo sabe-o na mesma porque quase todas as Organizações mundiais não governamentais (ONG) que aqui trabalham nos socorros humanos – e são mais de 60 – estão bem apetrechadas com satélites. Até me lembrei poder usar os seus meios, mas a nossa vida fica “do outro lado dos satélites e não fica ao mesmo nível”…compreendereis o que quero dizer. E talvez seja melhor assim, fazendo com que o nosso testemunho seja mais credível.
De modo que aqui vai uma carta computadorizada mas não “e-mailada”. Não posso garantir se chega e quando chega ao destino. Mas espero bem que sim porque aqui somos frequentemente sobrevoados por aviões de todo os tamanhos e helicópteros que transportam armamento e feridos. Se é assim também poderão carregar com um punhado de cartas, e levar a notícia aos meus queridos familiares e amigos, informando-os de que eu cheguei bem e encontro-me de perfeita saúde, graças a Deus e às vossas orações. Nesta missão de Nyala estão comigo mais 3 combonianos: Irmão Parisi (italiano), Pe. Denima, (congolês), Pe. Jervas, (sudanês, ordenado há um ano; fui seu formador durante o Postulantado em Cartum). Além disso, estão também 4 missionárias das Irmãs da Caridade, também elas de carácter internacional.
Aqui é uma confusão de tropas e movimentos armados, sendo por vezes difícil saber quem é contra quem. O que interessa é que eu saiba que, quando saio da cidade para visitar os cristãos nos seus vários centros/capelas aqui ao redor, o mais que posso é chegar a Bileil, a quinze quilómetros da cidade. Claro que há perigo, mas os soldados vão-me conhecendo e deixam-me passar. As capelas eram 140 e a mais distante ficava a cerca de 150 quilómetros. Mas desde que esta guerra rebentou no Darfur, (já passa de três anos) não podemos ultrapassar os arredores da cidade. É-nos proibido É muito arriscado e é-nos mesmo proibido. Fazemos o nosso trabalho por perto, com muito cuidado e atenção, informando-nos antes sobre os movimentos e paradeiros dos janjauid. O ano passado, os soldados roubaram um carro da missão: contributo obrigatório que exigiram para combater os inimigos do nosso país – diziam. Carro novo em trinque, pilhado na estrada. Mas este que uso eu não mo roubarão porque está a cair aos bocados.
No pequeno raio em que nos podemos mover deu para ver alguns janjauid, montados em camelos ou cavalos. Vão sempre bem armados. Com esses é melhor pôr-se à distância. Matam sem dó nem piedade porque têm todas as licenças do governo, sendo este mesmo o nó da questão. Misturam-se com a gente no mercado e nas várias aldeias que, quando se dão conta, desapareceram do mapa, literalmente. No lugar da aldeia fica só a morte semeada com os corpos no chão. Em todo o Darfur já foram mortos mais de 200 mil. O resto das pessoas que escapam tentam chegar aos campos dos refugiados, ajudadas e socorridas, se a tempo, pelas ONG. Nós também procuramos lá chegar e ajudar no que nos for possível. Mas, geralmente, as organizações de socorro estrangeiras cobrem as necessidades materiais. Deste modo, nós, então, podemo-nos dedicar mais facilmente uma presença espiritual, continuando a evangelização que já vinham fazendo com o pessoal da missão, nas suas aldeias de origem. Tive oportunidade de estar em dois dos vários campos de refugiados/deslocados: um panorama que não tem explicação nem descrição possível. Estes e outros campos foram-se enchendo – ao longo de três anos – de seres humanos que lutam por estar de pé. Já chegou aos 300 mil.
Bem, mas eu disse que esta mensagem era só para dizer que cheguei bem e fico bem em Nyala, sul do Darfur. Fiquem bem também vocês. Rezemos uns pelos outros. Até uma próxima. Não me sinto só. A missão é de todos nós. Xau.
Padre Feliz da Costa Martins
Nyala - DARFUR - Sudão do Sul