sexta-feira, abril 14

O crucificado vitorioso!



O que é a Páscoa
para Maria José Nogueira Pinto,
jurista do PP

Quando eu era criança não gostava da Páscoa.
Enquanto o Natal era evidente, palpável e tranquilizador, a Páscoa era enigmática, simbólica e inquietante.
Enquanto o Natal traduzia concórdia e paz, a Páscoa sugeria traição e morte.
Enquanto o Menino Jesus era, nas imagens, bolachudo e loiro, Cristo surgia como um homem de idade indefinida, escalavrado e exausto.
Enquanto o bebé era proclamado rei nas palhinhas de Belém, Cristo, entre a Última Ceia e o Calvário, parecia ter perdido toda a força, gerado toda a descrença, ficado sozinho, humilhado como um pobre louco visionário.
Nesse tempo eu não percebia e não gostava. Para mais, a festa móvel fazia coincidir por vezes o meu aniversário com a Sexta- -Feira Santa, dia em que a minha avó impunha silêncio e sopa de grão.
Só a vida me ensinou que não há nada mais parecido com cada um de nós do que a Paixão de Cristo.
Quando no Calvário se oferece como cordeiro imolado, Cristo homem, disposto ao sacrifício total e final, é sobretudo a obra da libertação que se consuma. É quando as peças deste vasto enigma se juntam para deixar ver, na sua plenitude, a verdade dos factos e dos desígnios.
A libertação das terras do Egipto como a libertação da própria Humanidade, na passagem da morte pela vida, do cativeiro para a terra prometida.
Nada, para mim, como a Páscoa - morte e ressurreição - traduz hoje de modo tão veemente esta dimensão humana e divina de Cristo, passada ao homem através da vontade expressa de um acto criador feito à imagem e semelhança.
E nada é mais comovente que as palavras de Cristo, só e com medo no Monte das Oliveiras: "Pai, afasta de mim este cálice."E nada dá mais que pensar que a fraqueza de Pedro, negando Cristo insistentemente.
Como o gesto de Verónica, mulher-coragem, que perturba com o seu sentimento de pena, ao limpar o rosto de Cristo, o espírito daquele cortejo, daquele acontecimento público.
Como Judas, o que tinha de ser para que tudo se cumprisse.
E Pilatos, esse homem tão mal interpretado que lutou contra o pensamento dominante, a estupidez da multidão e o antiquíssimo destino da Humanidade, e saiu vencido, como não podia deixar de ser.
A ideia de ressurreição é muito mais incisiva do que a ideia de pacificação. Na primeira está a obrigação do impossível. Na segunda, apenas o que, em cada momento, parece estar ao nosso alcance. Na primeira está a exigência incómoda do sempre mais e melhor. Na segunda, qualquer coisa que facilmente se confunde com uma mera benevolência de sentimentos.
Com a vida também aprendi que compensa não perder a primeira de vista. Mesmo se de vez em quando apetece fazer batota.


Publicado no DN em 14.04.2006