A “Ressurreição” da Helena Chebet
Esta é uma situação mais comum do que seria desejável em Pökot. Os seus pais retiveram-na na sua boma (palavra swahili para designar casa da família). Preparavam-na para ser a terceira mulher de um dos amigos do seu pai, um homem com uma idade acima dos 50 anos de idade. Para poder ser dada em casamento, deve primeiro ser submetida à circuncisão. Esta tradição está muito enraizada nesta cultura Pökot, mesmo que proibida pela lei do país. Trata-se da excisão do clitóris e dos lábios maiores das partes genitais da mulher. É efectivamente chamada “mutilação genital feminina”. Depois de ser circuncidada, a Helena seria entregue ao seu marido. Em troca, o pai da Helena receberia uma quantidade específica de vacas e cabras acordada entre o pai da Helena e o seu amigo. Normalmente, o dote pode variar entre 10 a 20 vacas e 5 a 10 cabras que são pagas ao pai da “noiva”. Obviamente que em toda esta saga, a Helena nunca disse sequer uma palavra ou emitiu qualquer opinião!
É necessário actuar depressa
Há cerca de duas semanas, foi-nos comunicado que as tentativas de resgate da Helena falhavam. Normalmente procura-se envolver os chefes locais para pôr em prática a lei. Os pais não podem reter e retirar as suas filhas da escola antes de terminar a escola primária. Parece que nem mesmo o chefe da aldeia estava a fazer bem o seu papel. Daí que decidimos apresentar o caso à polícia local. No dia seguinte, sábado, logo pela manhã decidimos visitar a boma e tentar resgatar a Helena. Comigo ia o chefe da polícia, a directora da escola onde a Helena estuda e a Irmã Cyprian, sua professora e irmã missionária aqui em Kacheliba.
Boas notícias
À nossa chegada não encontramos ninguém na boma à parte dos 2 ou 3 filhotes mais novos, irmãos da Helena. Tudo nos fazia parecer que foram avisados antes da nossa chegada. Ter-se-ao escondido e desaparecido de casa à pressa. Procuramos perguntar pela Helena. Não havia lugar onde poderia a encontrar. E os vizinhos tão pouco pareciam querer colaborar. Regressámos de mãos a abanar. Mas nem tudo eram más notícias: a Helena estava ainda em casa. Não tinha ainda sido circuncidada nem entregue ao seu marido. Mas o tempo não jogava a nosso favor... Sabendo que tínhamos procurado a Helena, os seus pais poderiam apressar as “coisas”. Não fiquei convencido! E decidimos, regressar nesse mesmo dia já com ao anoitecer. Certamente que não esperavam que regressáramos nesse mesmo dia. E muito menos já de noite. O factor surpresa poderia jogar a nosso favor...
“Padre, pode levar a vossa menina!”
Às 8 da noite chegávamos à boma da família da Helena. De novo eu, o chefe da polícia e a Irmã. Ao entrarmos na boma, um dos irmãos mais velhos da Helena imediatamente nos recebeu parecendo agradado com a nossa chegada. “Padre, nós concordamos em que leve a vossa menina!” - disse. “Vossa menina?!” – perguntei admirado. É que a ideia é que uma vez que a Helena é apoiada nos estudos pela nossa paróquia de Kacheliba, a Helena passou a ser “nossa” da missão! Respirei fundo ao saber que o pai não estava em casa. Com algum custo, sentámos-nos e conversámos por uma boa meia hora com os familiares e os vizinhos. Tentávamos explicar que a Helena tem o direito de terminar a escola primária e que não pode ser impedida de receber a sua educação desta forma. Aí, foi-nos dita a razão pela qual o pai queria “casar” a Helena: queria uma terceira mulher para ele! Ao conseguir os animais do dote da Helena, teria o suficiente para uma terceira mulher!
“Voltei a sentir gosto por viver!”
Conseguimos regressar com a Helena nessa noite. No regresso, a Helena disse-nos que a sua entrega ao que viria a ser seu marido estava programada para daí a dois dias. Tudo estava programado! A Helena não se cansava de nos agradecer: “Via a minha vida já sem sentido...” – disse. “Eu quero terminar a escola primária e fazer os meus estudos, mas os meus pais só pensavam nos animais que poderiam receber ao entregar-me ao amigo do meu pai! Sinto que agora a minha vida voltou a ter sentido!”
No dia seguinte, domingo, celebrei a missa nessa capela. No final da missa, o pai da Helena quis tirar satisfações, tendo mesmo ameaçado um dos locais que nos ajudou a chegar à boma da Helena. Estava muito zangado o pai da Helena. Estava surpreendido, pois este senhor tinha mesmo sido um pastor local da Igreja Luterana... quando tomou a segunda mulher teve que deixar esse serviço na sua Igreja. Como pode alguém ter até sido pastor protestante, com alguns estudos e ainda assim comportar-se deste modo? Toda a comunidade local o condenou pela sua maneira de actuar. Se continuar assim a proceder, certamente que será aplicada a lei e poderá mesmo ser preso por contrariar a disposto na lei em defesa das crianças. A Helena está agora em segurança aqui na missão, pois nem mesmo nas férias poderá regressar a casa. O risco de ser de imediatamente tomada para ser casada é grande...
Para mim, toda esta saga, e sobretudo as palavras da Helena, ajudam-me a entender como a Ressurreição de Jesus continua a acontecer hoje, e concretamente também aqui em Pökot. A Helena sentia que a sua vida tinha perdido todo o sentido, já não valia sequer a pena viver. Agora ela voltou à Vida, voltou a sorrir e a sentir que vale a pena viver. Tal como o escreve S. João, Jesus veio para que tenhamos vida e vida em abundância (Jo. 10,10). Também aqui essa Vida e essa Vida Nova da Sua Ressurreição continua a acontecer!
Etiquetas: Animação Missionária, Circuncisão, FGM, Missão, Missionários, North Pokot, Quénia, Tribo Pokot
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