domingo, janeiro 11

Viajar entre Quénia - Tanzania: Uma Aventura!

Habari Zenu? Mzuri Sana!
Esta é a saudação que a partir de hoje e até inícios de Maio irei escutar todos os dias. É verdade! Já cá me encontro finalmente na localidade de Musoma, junto ao lago Vitória na Tanzania. Chegámos ontem, depois de 9 horas de viagem desde Nairobi.

Aspecto da Escola em Makoko (clicar para abrir página da escola - inglês)

Não chegámos a contabilizar mas deverão rondar os 500km. Eu e mais 3 colegas meus, todos combonianos, saímos de Nairobi pelas 4.30 da manhã. E porquê assim tão cedo? Bem, existem várias razões. Primeiro, viajar em África de carro é sempre uma aventura. Mais ainda quando o local para onde vamos nos é desconhecido. Assim que muitas vezes, sabemos quando partimos, mas nem sempre sabemos quando e se chegamos ao local suposto à partida. Nenhum de nós os 4 alguma vez tínhamos viajado nestes locais, no sudoeste do Quénia e Noroeste da Tanzânia. Não sabemos o que vamos encontrar. O carro, ainda que saído da garagem, pode simplesmente ter algum problema… o que de facto também nos aconteceu. Mas nada que um mecânico improvisado não resolvesse… e quem não sabe que se arranje! Um problema de carregamento de bateria que conseguimos resolver a bem. Então e… oficinas de carros pelo caminho? Bom só mesmo postos de abastecimento e não muitos. A um dado momento pedimos numa dessas bombas que nos limpassem os cabos e os bornes da bateria pois parecia-nos ser esse o problema. Quando demos conta só faltava limpar os mesmos com sabão pois a água abundava por todo o lado!!! Pior a emenda que o soneto pois claro! Por isso o melhor é sempre sermos nós a fazer o serviço… infelizmente aqui há muitos que se dizem especialistas… somente para arrancar uns trocos do “branco”!
Uma outra razão para sairmos cedo é o facto de não se poder viajar muito a meio do dia. Nas horas mais quentes do dia, nesta zona da África é muito duro viajar com temperaturas altas.
Mas a aventura mais “fascinante” é o passar a fronteira. Aqui não é como passar de Portugal a Espanha! Não estamos na Comunidade Europeia. Primeiro há que registar o carro à saída do Quénia. Ali ficam os documentos do carro que serão recolhidos quando regressarmos. Depois há que preencher um formulário com todos os nossos dados, dizendo que vamos sair do país, por quanto tempo, etc… só faltava mesmo perguntar a cor da nossa roupa interior! E no meio do andar de um guiché para o outro, não faltam os “oportunistas” oferecendo-se para trocar o dinheiro queniano em dinheiro tanzaniano. O nome é o mesmo: xelins! Só que uns são quenianos e outros tanzanianos. E aqui na Tanzania não aceitam dinheiro queniano. 1 euro vale neste momento cerca de 105 xelins quenianos; o mesmo valor em euros equivale a cerca de 1600 xelins tanzanianos. Preencher papeis e assinaturas aqui e ali, ter o passaporte carimbado, ter cuidado com o carro para estar fechado, são tarefas que já nos pedem muita atenção. Pior com estas pessoas que também procuram uma oportunidade de fazer algum dinheiro extra para as suas vidas difíceis.
Faltava ainda um ultimo olhar sobre os nossos papeis antes de passarmos o portão do lado do Quénia. Chegados ao lado da Tanzania o mesmo! Só que aqui há que voltar a preencher os mais papeis com os mesmos dados, as mesmas perguntas, e há que pagar os 50 dolares de visto para entrar no país. O mais complicado é que os mesmos que queriam trocar-nos o dinheiro do lado do Quénia, voltam agora a aparecer-nos deste lado da fronteira. Curioso!!! Não nos largam, ainda que sabemos (porque nos foi dito antes) que não é ali que devemos trocar o dinheiro. Muitas vezes somos até roubados nas contas ou até perseguidos para nos roubar o resto do dinheiro depois de o terem visto. Mais complicado ainda foi conseguirmos registar o carro para que nos fosse permitido circular neste país. O meu colega, dono do carro, caiu no erro de entregar os papeis trazidos do lado do Quénia a uns ditos agentes de representação para os trâmites legais… apenas e somente para descobrirmos depois que ali trabalham com o consentimento das autoridades, mas apenas e somente para arranjar uns trocados depois de nos assistir nos trâmites de papelada e carimbos aqui e ali. Para quem acredita, a Providência fez-nos encontrar ali mesmo, nos serviços da alfandega, um padre tanzaniano que reconheceu um colega meu. Foi a nossa salvação para finalizar as burocracias! Ainda há quem não acredite… mas para mim não há apenas coincidências.
Depois de uma hora e um quarto, conseguimos finalmente partir e chegar depois de 100km a Musoma. Mas sobre isso falar-vos-ei em “cenas dos próximos capítulos.”
Hoje, finalmente, gostaria apenas de vos agradecer pelas vossas orações e amizade. E ajudar-me a pedir que estes 4 meses de curso possam ser de facto proveitosos… levanto apenas a “ponta do pano”: somos 20 estudantes de 4 continentes diferentes, padres, irmãs, leigos e leigas missionários. A escola está a 300mt do Lago Vitória, o maior lago da África…

Chamo-vos ainda a atenção para a minha morada e o meu contacto de telemóvel nestes meses aqui na Tanzânia (ver abaixo)

Um abraço amigo e cheio de saudade para todos vós! Mungu akubariki wote! (Que Deus vos abençoe a todos!)
Com amizade desde terras tanzanianas,

Fr. Filipe Resende
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Contactos provisórios durante o curso de Swahili (Janeiro a 10 de Maio 2009)
My meanwhile contacts during the Swahili Course (January up to 10th May 2009)

Makoko Language School
P.O. Box 298
Musoma – TANZANIA - AFRICA
Personal Mobile ph. nr.: +255 766950712
Tel.: +255 28 2642518 (Tanzania)

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domingo, janeiro 4

Ano novo mas… os problemas de sempre!

Viajei ontem, dia 2 de Janeiro, desde a missão que me tocou em terras Pökot, Kacheliba, até Nairobi. Dentro de uma semana devo partir com outros três colegas meus para a Tanzânia. Iremos estudar durante quatro meses a língua swahili, muito necessária para trabalhar nestes países da África do leste.
Esta manhã, depois do merecido descanso das 9 horas de viagem com cerca de 500km percorridos por estradas ou por caminhos com o nome de estradas, pude ler com calma o jornal diário do Quénia, coisa a que não me é possível aceder em Kacheliba. E… bom! Ano Novo… mas os problemas são os de sempre.

A noite de 31 de Dezembro 2008 na missão de Kacheliba era tudo menos a habitual de todos os dias. Era evidente que esta era uma noite diferente. Logo que anoiteceu, começa-se a ouvir a celebração de fim de ano nos altifalantes da Igreja Independente Africana no centro de Kacheliba. Apenas a um escasso quilómetro da nossa missão. Nós, católicos, tínhamos já celebrado ao final da tarde desse dia. Agradecemos ao Senhor Deus Töroröt Papo, todas as bênçãos e benefícios do ano de 2008, pedindo-lhe também as maiores bênçãos para o ano novo, sempre aguardado com muita esperança. Porém, ao acordar do outro dia, do outro ano, a esperança é confrontada com os problemas de ontem: um ano com colheitas muito fracas, falta de acesso a água potável, começo do tempo seco que produz falta de alimentos, falta de dinheiro para enviar os filhos e filhas para o começo do novo ano escolar…
No entanto, a esperança dos povos africanos é algo de único e muito peculiar. Para uma grande maioria é a esperança que os mantém vivos. A única coisa que lhes resta. Ainda que saibam que pouco pode mudar, tantas vezes! Mas o testemunho e a confiança que nos dão, o não baixar os braços diante das dificuldades, diante dos problemas de todos os dias, de todos os meses, de todos os anos, é algo que nos faz pensar no significado da vida, no significado e razão de viver.
O som dos cânticos animados na Igreja, a pregação feita bem ao estilo protestante por um lado, bem como os sons da típica e pacífica noite Pökot por outro traziam-nos na expectativa do raiar de um novo ano. Ao longe, nos intervalos das celebrações da Igreja Protestante, escutava os sons celebrativos dos cânticos Pökot, ao redor da fogueira, no meio da escuridão da noite. Misturado com os sons humanos, percebia os sons dos animais, das cabras e das ovelhas. Quase como que também eles fazendo a sua festa de passagem de ano.
Chegada a meia noite, o começo do Ano Novo, houve explosão de alegria no ar. Gritos, cantos, tambores, todo o tipo de sons e expressões. Explosão de alegria por causa da esperança e das bênçãos que cada dia e cada noite são para o povo Pökot. No entanto, para muitos outros Pökot, mais no interior das suas aldeias, esta noite é apenas e tão só uma mais como tantas outras… é que isto de festas de passagem de ano é algo mais ocidental!!!

No dia seguinte, dia 1 de Janeiro, tocou-me ir com o pároco da missão a uma das nossas capelas celebrar a Eucaristia. O lugar chama-se Simotwa. Uma comunidade a cerca de 25 minutos do centro da missão. Porém, uma comunidade que durante o tempo das chuvas fica completamente isolada devido ao largo rio que tem que ser atravessado. Neste tempo seco a pickup consegue percorrer os cerca de 300mt de areia no leito do rio para depois chegar à capela. Porém, dizia-me o meu colega P. António, no tempo das chuvas temos que vir a pé, isto se pudermos e conseguirmos atravessar o rio. Caso contrário, a comunidade fica isolada durante meses. O grande problema é sempre encontrar o caminho correcto para a aldeia. Isto porque, seja no tempo seco seja no tempo das chuvas, os trilhos e os caminhos desaparecem pura e simplesmente. Há que adivinhar mais ou menos a olho a correcta direcção, para depois ter mesmo que inventar os trilhos e caminhos a percorrer.
Depois de esperarmos cerca de uma hora e meia para que os cristãos chegassem para a celebração (algo que é da praxe!) os cristãos desta comunidade mostraram a sua alegria pela vinda dos missionários: ofereceram-nos um bode! E esta é uma oferta valiosa. Os animais são para os Pökot o seu meio de sustento nas relações sociais e humanas. Seja para vender para conseguir dinheiro para comida, para tratamentos médicos ou mesmo para enviar os filhos à escola (algo que era bastante raro em anos anteriores).
Esta comunidade tem a sorte de a missão ter ali construído uma escola primária que visitámos enquanto esperávamos pela chegada das pessoas. Uma escola bem equipada para ter sido construída no meio do nada. Uma escola que é o orgulho da aldeia. Uma escola que tem as oito turmas que compõem a educação primária neste país.
Regressámos à missão com a certeza de que tínhamos celebrado de novo a esperança de um amanhã diferente. Um amanhã e uma esperança que não sabemos quando se concretizará. Mas uma esperança que nos faz acreditar que algo virá e mudará, ainda que este país pareça estar a levantar-se paulatinamente dos problemas que o assolaram há um ano atrás, depois das eleições mais sangrentas na curta história do Quénia desde a sua independência em 1963.

Ontem, ao longo da viagem, pude avistar ao longe vários campos de refugiados internos causados pela violência pós-eleitoral que há um ano deixou em dois meses, segundo números oficiais, 1133 mortos e cerca de 350 mil pessoas refugiadas no seu próprio país. Como é que, depois de um ano, as autoridades e o governo deste país não resolveram ainda o problema destes milhares de quenianos que foram forçados a fugir das suas casas e áreas de residência sob pena de serem mortos? No jornal de hoje é ainda referido que as vítimas da Igreja incendiada em Eldoret onde morreram 35 pessoas, entre elas algumas crianças, estão ainda na morgue do hospital desta mesma cidade. Esperam que os testes de ADN estejam finalizados. Esses testes destinam-se a identificar as vítimas, uma vez que ficaram irreconhecíveis. Este episódio que correu as televisões de todo o mundo no dia 1 de Janeiro de 2008 ainda não foi encerrado. As famílias, depois de um ano, continuam à espera dos corpos dos seus familiares para proceder às cerimónias fúnebres, tão importantes para a paz dos africanos depois da morte.
A violência pós-eleitoral do ano passado é ainda a responsável por uma lei sobre os meios de comunicação social que acaba de ser assinada ontem pelo presidente do país. Segundo os críticos, esta lei dá poderes aos políticos de governar sobre toda a indústria dos média. Podem, inclusive, mandar cortar editoriais e conteúdos programáticos dos jornais e televisões em ocasiões de emergência. Sob as mesmas circunstâncias, podem mesmo mandar a polícia destruir computadores e máquinas de imprensa escrita e televisiva. Segundo muitos, este é o fim da liberdade de imprensa no país, fazendo-os acreditar que voltamos aos tempos da ditadura até 2002 sob o governo de Daniel arap Moi. Problemas de sempre… apesar do ano novo!

No meio de todos os tumultos, um caso feliz… aquele que tantas vezes mantém viva a confiança e esperança destes povos. No bairro de lata de Kibera, o maior de todo o país, apenas aqui ao lado da casa provincial onde me encontro neste momento, surge uma notícia feliz. Doze crianças pobres deste bairro acabam de receber cada um bolsas de estudo de uma organização não governamental para prosseguir os seus estudos na escola secundária. Razão: no ano passado, ainda durante toda a tensão e conflito pós-eleitoral, estes 12 adolescentes, em condições degradantes de insegurança e onde tudo parecia tornar-se num colapso, conseguiram pontuações entre os 100 melhores estudantes nos exames nacionais finais da escola primária. Um caso de sucesso que só confirma a renovação da esperança que estes povos nunca parecem perder… apesar de tudo e acima de tudo!

P. Filipe Resende, mccj
Relatos da Missão em Kacheliba
North Pökot – Quénia

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